domingo, 24 de março de 2013

.Poema do coração gramaticado.


“Às vezes,
O poema me nasce como se fosse uma azia,
Um incômodo, um engodo.
Um bolo de coisa outra,
Feito com fiapos do que trago dentro
E com resquícios do que vejo fora.
E nem sempre ele nasce limpo.
Às vezes ele chega tão imundo,
Que eu o ignoro até ele ir embora,
Embora eu torça para que os poemas bons,
Permaneçam sempre.
Saber se um poema é bom
É tarefa árdua
Até para os mais medicados.
Que dirá pra mim,
Que vivo sozinha
Com eles sob as unhas,
Agarrados.
Por isso aprendi a voar,
Que é pra ver com um pouco mais de distância,
Porque um poema é bom.
Porque o poema bom não avisa hora,
Não provoca desmaio.
Poema bom não pede pra ficar:
Ele finca sua beleza
Sem dar tempo pro rabisco, pro ensaio,
Sem nem mesmo olhar pro lado.

Que eu possa ver esse poema de longe,
E que ele me acene demorado,
Me lembrando de uma vez por todas
Como é que é ter o coração assim,
Todo gramaticado.”

(.Poema do coração gramaticado. 01.02.2013)


segunda-feira, 11 de junho de 2012

.Enquanto você não vem.

"Enquanto você não vem
Os poemas estão cancelados
Os beijos estão censurados
Assim como também estão extintos
Todos os meus suspiros inúteis e febris

Enquanto você não vem
Não vejo porquê por flores na janela
Não tenho vontade de sair com a minha saia amarela
E nem sambo mais com o pé no chão,
Independente da hora

Enquanto você não vem
Os dias vão ficando roucos
Os sabores vão tornando-se poucos
E a visão se turva
Antes mesmo da lágrima chegar

Enquanto você não vem
O amor repousa quieto, adormecido
Os desejos permancem ressequidos
E a cama por fazer

Enquanto você não vem
Eu tento reinventar o prazer nas coisas
Suponho todos os verdes encontrados nas folhas
E me despeço da palavra antes que ela se despeça de mim

Enquanto você não vem
Eu tento descobrir
Porque é que eu vim."

quinta-feira, 22 de março de 2012

Assim

A saudade pode pesar
uma tonelada!
Sim,
já averiguei.
Inquiri - em libras! -
o que meu peito a tanto carrega.

Me atordoa esse sentir
o que não vivi na pele;
Me pego num querer de mais
saudade

Sim,
pois só ela me faz lembrar da sensação
e de como tudo foi bom.
É ela que me faz viver
um tanto daquilo que,
simplesmente,
não vivi.

Confesso que esse é o motor de minha melancolia,
a inspiração de minhas notas.

Minha saudade pesa
uma tonelada de ar fresco.

terça-feira, 20 de março de 2012

Essa sensação manca

Nessa sensação manca em
ter que entender que
nem tudo foi feito pra se entender,
minhas narinas se afogam
num mar de respostas testadas

E tudo soa falso,
tudo estala de frio.

Minhas têmporas pulsam de inveja,
as mandíbulas trincam.
Meus olhos suam meu cansaço,
meu esforço em entender
que tudo que não requer esforço
se analoga com o fim:
sem explicação, sem consideração.

Se para um começo tem que haver um fim,
o que não é explicação,
é morte evidente.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

.Inquietação.



"Um alfinete que espeta por dentro
Um desconforto que não tem paradeiro
Um silêncio que não se especifica
Um ruído que desestabiliza

Um sapato apertado no calcanhar
Um armário sem lugar pra guardar
Um mosquito perto do ouvido
Um barulho de coração partido

Na minha inquietação
O-que-espero-não-vem
O-que-não-vejo-não-chega
E o que não quero
Se apresenta

Falta um pedaço de céu
Tatuado no meu braço
Falta uma forma de abandonar de vez
Todo esse meu cansaço

Descompasso que não me convém
Inconstância que me mantém refém

Porque se não for pra ficar
Então nem vem."

.Inquietação. 

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

.Arremate.

"Gostar sozinho dá trabalho
É como costurar colcha
Com agulha cega
Confiando apenas
No prazer de entrelaçar

Olha-se o tear,
Inspira-se com a paisagem que acena pela janela,
Mas a lida prossegue só
Laçando linha por linha

Quem costura um amor
Cria um laço,
Um nó
E o quanto aquilo agarra no peito
Depende do manejo
Da qualidade do fio
E do desprendimento da moça
Em não se importar
Em costurar sozinha."

.Arremate.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

.Da inutilidade do amor.


Quanto a mim, o amor se atrasou

Esbaforido e suado

Sem nem cumprimentar os outros

Chegou correndo

Se desculpou pela hora

Mas não olhou para o relógio

Que era pra não dar na pinta


Desejou boa sorte a todos

E tão logo o sinal bateu

Se fechou no seu mundo

Que era aquele seu caderninho de poemas inúteis

Quase tão inúteis quanto o próprio amor


Amor que se expressa no aumentativo

Amor que não mostra a que veio

Amor que se perde no meio do caminho

Porque se distrai com outras paisagens


E eu que sempre quis um amor

Hoje faço uma última oração:

Que ele se perca de mim

Que ele me desenlace

Que ele não me seja mais tão inútil

A ocupar todos os cômodos


Que na sua ausência ele permita

Que se veja a utilidade das outras coisas tão bem-vindas

Dos sabores bonitos

Das viagens benfazejas

Do olhar alheio, tão necessário nesse momento


Porque o amor

No auge da sua inutilidade

Com sua presença concentrada de ácido-sulfuricozante

É capaz de fazer com que meus olhos se tornem inúteis


Inúteis diante de toda beleza indescritível

Que deveria haver em todo o resto

Simples assim


Inúteis diante de toda beleza inquestionável

Que deveria haver

Aqui

Bem dentro de mim


sábado, 23 de abril de 2011

Menos sintaxe

Me achava ser o escuro, meu medo,
o frio.
Mas hoje,
ainda sou essa esperança de me definir;
e, um pouco,
essa frustração
de não saber quem sou.

Sim, ainda sou essa sede de certeza,
mesmo que,
já mais saciada pela vida,
bebida e degustada por
minhas sensações e esquizofrenias.

Sim, me sinto mais ouvido,
mais tato.
Me sinto mais poesia
e menos sintaxe;
mais carne, menos biologia;
mais som e menos harmonia.

Sou mais paixão e
menos teoria.

terça-feira, 15 de março de 2011

Talvez sim!...

Uma lata vazia rola só na madrugada desse asfalto fatídico
E eu fumo meu charuto, abraço meu filho,
Talvez reze...

Poetizo minhas fantasias acreditando colaborar com algo
belo pro mundo.
(Talvez sim...)

Certamente, o talvez seja a definitiva mediana entre
o certo e o errado,
o efêmero aplauso
- sua atenção! -

E então,
rezo minhas palavras que tentarei musicar,
tomo meu vinho, fumo meu charuto,
abraço meu filho.
...Talvez seja.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

“Há muito tempo atrás existiu um pintor que era obcecado pelo efeito que chamamos em arte de chiaroscuro. Luz e sombra. Sombra e luz. Uma mostrando pra outra onde é que é pra ficar. Estrada de mão dupla onde todo mundo respeita o sinal, mesmo sem pardal. Mas no dia de hoje, meu coração não virou uma tela de Caravaggio. Grandes massas de sombras assombram pequenos pontos de luz, mas uma não sabe bem ao certo até onde deve ficar para a outra passar. Minha tela descompassada então tornou-se um grande borrão, onde não se vê mais nada. Não tem nada de bonito. A sombra parece piche, de tão pegajosa. E a luz parece nuvem, de tão efêmera. Porque ninguém explica como é que um grande amor se acaba assim? Porque ninguém anota o caminho pra quando a gente se perder um do outro, encontrar o percurso de volta? Assistir um grande amor se perder é como ver uma grande árvore morrer. Bem ali, na frente dos nossos olhos, definhando. Secando. Até apodrecer e se tornar um risco. E então corta-se tudo fora e no quintal, fica aquele buraco por anos. Porque ninguém pode substituir uma árvore. Sua beleza de árvore. Seus frutos de árvore. Sua sombra fresca de árvore. Eu tenho que lidar todo dia com o fato de ter uma mangueira morta no quintal. Não há um dia que eu não sofra por ela. Não há um dia que eu não me culpe por não ter feito nada para salvá-la. Não há um dia que eu não pense: o que eu faria para voltar atrás e dar a ela tudo o que ela precisaria para não ter morrido assim. Todos os dias eu penso que de alguma forma, eu fracassei com ela. Essa árvore morta no meu quintal virou uma cicatriz no meu peito. Virou um problema meu. Assim como esse amor que se perdeu de nós. O que faz o amor permanecer no endereço certo? Eu não sei. Nunca soube. E quando cheguei perto de descobrir, alguém tocou o sinal e meu tempo acabou. Simples assim. Sentada agora na minha varanda eu assisto a mangueira ao lado frutificar. As mangas caem no chão e fazem vários barulhos, até engraçados. Ela está linda e feliz, como que se exibisse para a outra ao lado, completamente seca. E eu fico pensando quando é que vou reagir e saborear meus frutos. Quando é que vou entender que a vida sempre encontra seu ciclo natural e que ela sempre prossegue, de uma forma ou de outra. E que ninguém morre de amor, porque todo mundo supera. E que todo mundo se desaponta, porque alguém sempre vai embora. E que mágoa é como marca de vacina: todo mundo tem uma, embora no dia de hoje a minha tenha virado uma grande catapora.”

(.Chiaroscuro. 7/12/2010.)